Centro Educacional Reeducar

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sábado, 3 de setembro de 2011

RELAÇÃO FAMILIAR NO CONTEXTO DA SUPERDOTAÇÃO

Michele do Amarante Borges[1]

Ibrahim Georges Cecyn Moussa [2]

RESUMO

Este artigo visa possibilitar a análise das vivências das pessoas que apresentam superdotação ou altas habilidades e como lidam com essas características no seu meio familiar. Por meio de uma pesquisa bibliográfica, analisando autores como Alencar e Fleith (2001), Guenther e Freeman (2000), Mettrau (2000), Winner (1998), Brasil, (1999), estudaram a superdotação observando seus vários ângulos e características. Trabalhos realizados por pesquisadores como Silva (2008) e Alencar (2007) buscaram relações entre a família e o superdotado e a influência que ambos desempenham um sobre o outro. Neste texto é abordada a maneira pela qual este indivíduo se relaciona com sua família, identificando os sentimentos vivenciados por eles ao apresentarem tais características, como é sua convivência familiar e como esta vem a influenciar em suas decisões e escolhas, bem como verifica os sentimentos vividos em decorrência das expectativas colocadas sobre a pessoa com superdotação.Depois desta análise frente a temática, conclui-se que há necessidade de criar projetos de pesquisa que focalizem a dinâmica e o funcionamento familiar, adotando conceitos apropriados de superdotação e de família. Além disso, esse estudo poderá servir de base para pesquisas futuras, voltadas, mais especificamente para a convivência entre pessoas com quaisquer deficiências, altas habilidades ou transtornos psicológicos e a família.

Palavras-chave: Superdotação; família; relação familiar/superdotado.

INTRODUÇÃO

Conviver com indivíduos superdotados muitas vezes pode ser considerado algo diferente, mas visto como um privilégio de poucos, principalmente no que se refere ao papel do educador ou de prestador de serviços na área da saúde, pois muitas vezes observam essas pessoas em suas competências.Pessoas com superdotação são instigantes e apresentam situações que exigem muito das relações que estabelece. Nas relações com educadores ou profissionais da saúde, essas pessoas requerem mais que conhecimento, requer também boa vontade e interesse em estar em constante aperfeiçoamento, buscando novas informações para que se possa contribuir para troca de experiências e realização de um trabalho desafiador para ambos.

Na escola, na maioria das vezes, o educador está despreparado para encontrar tais alunos, já que há uma grande dificuldade de lançar mão de conceitos dos quais está acostumado a utilizar em sua prática pedagógica. Muitas vezes um único planejamento, ou um planejamento inflexível não dá conta da aprendizagem de todas as crianças. Além do que, o professor, inúmeras vezes, não está preparado para identificar as características do superdotado em sala de aula, visto que elas se apresentam das mais diversas formas, como trabalharemos mais adiante. Hoje priorizar o diferente e entender que o cérebro individual aprende de forma e ritmos diferentes ainda é quase um hieróglifo não decifrado. No caso do superdotado, devido a falta de conhecimento, o mesmo é excluído do restante da turma pelo fato de não necessitar do auxilio docente, o que provavelmente mexa com a autoestima de muitos profissionais que se consideram senhores e detentores de todo saber. Percebendo-se como intrusos dentro deste sistema acabam desmotivados e evadem vivendo muitas vezes na marginalidade.

Landau(2002, p.162) afirma que:

A superdotação é um sistema de influências entre o mundo interno da criança e seu ambiente. O fato de se ter talento não é suficiente para que estes se desenvolvam. O indivíduo necessita de uma promoção constante do meio para a realização de suas potencialidades.

Ou seja, o autor reforça que o superdotado possui sim uma característica marcante de facilidade em conteúdos acadêmicos ou em algo que lhe é de interesse que é nata, porém esta característica apenas irá se sobressair se o ambiente lhe proporcionar estímulos suficientes para tal. Entretanto além de lhe proporcionar meios desafiadores para a construção de uma maior aprendizagem ou satisfação da necessidade atual, é necessário que este meio possibilite tambémafetividade centrada na sua pessoa e não nas características da sua superdotação.

No que se refere em família, por outro lado têm-se inúmeros conceitos, justamente pelo fato desta ter evoluído no decorrer do tempo juntamente com a humanidade. Formar um conceito fechado do que é a família, por si só é muito complexo e muitas vezes este se confunde com suas funções. Segundo Ariès, (1978) a família seria um conjunto de “membros que se unem pelo sentimento, o costume e o gênero da vida”. Membros estes que mesmo sendo opostos em pensamentos viriam a se complementar e sendo a família universal e, portanto, também eterna, pode-se dizer que é uma instituição de grande influência e que fará sempre parte da realidade, seja qual for ela.

Todas as pessoas possuem uma família, sendo que a família constitui a esfera de convivência entre esses indivíduos que costumam compartilhar suas vivências, afazeres do dia-a-dia e sentimentos. As famílias são consideradas o núcleo natural e fundamental da sociedade. Farias (2004, p.01) comenta que “não existe dúvida de que a família, na história dos agrupamentos humanos, é o que precede a todos os demais, como fenômeno biológico e social”. E é no contexto da família, que o ser humano começa a identificar-se e inicia a organização de suas potencialidades, com a finalidade de convivência social.

A relação entre a família e o superdotado não acontece de forma diferente das outras crianças, pois elas possuem as mesmas necessidades de afetos, limites, acompanhamentos e tantas outras fantasias e reforços que todo ser humano necessita. Com base em relatos bibliográficos de pessoas superdotadas ou com grandes talentos, percebe-se que as dificuldades no convívio social, familiar, escolar, falta de tempo para estudos entre outras barreiras são causa de muito sofrimento, além de diminuição da expressão da criatividade (ALENCAR: 2001).

Desse modo, produzir conhecimento sobre esta convivência e os sentimentos vivenciados dentro do lar, verificando de que maneira a pessoa com superdotação se percebe e como a sua família apresenta necessidades frente a superdotação, pode contribuir para o desenvolvimento de novas formas de intervenção e de interação paciente/família, bem como, pode esclarecer aos interessados nessa questão, que pessoas com superdotação apresentam competências e dificuldades,necessitando de um ambiente acolhedor a suas necessidades. Para isso será feito um estudo bibliográfico que poderá nos auxiliar na resposta a nossas demandas.

Superdotação

Segundo Getzels&Csikszentmihalyi, 1975, citado por Zanella (2004), na primeira metade do último século predominava a ideia de que o ser humano era um organismo cognitivamente vazio, conduzido pelos impulsos primários, que se reduziam a motivações biológicas como fome, sede e sexo, bem como aqueles que evitavam a dor. Outra concepção afirmava que nossos comportamentos eram regidos conforme nossas necessidades, valores e estímulos cognitivos. Em ambos o ser humano era passivo e seu comportamento voltado para obter o estado original de equilíbrio.

Para White (1959), citado por Zanella (2004), em seguida surgiu uma nova visão que chamava a atenção para o fato do ser humano não só buscar a eliminação da tensão, mas sim aumenta-la. Com o comportamento exploratório, criatividade e busca de estimulação, agindo sobre o ambiente, buscando situações novas e colocando em prática sua iniciativa, imaginação e curiosidade.

Zanella (2004), diz que a busca constante é característica não somente do ser humano, mas do meio onde ele vive. A demanda da sociedade capitalista, no que se refere ao mercado de trabalho, incide sobre sujeitos criativos, polivalentes e com iniciativa. O que, muitas vezes, não é levado em conta é que quando se fala em características individuais ou habilidades não se fala em um sentido singular e sim plural.

Facilidade em receber novas informações e se aperfeiçoar muito nas áreas já conhecidas, criatividade para desenvolver novas técnicas e utilizar as antigas de maneira diferente que facilitem a vida diária, se comprometem mais com a tarefa a ser realizada do que os demais e suas habilidades são de forma geral ou específica maiores do que a média. Essas são características da superdotação que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) atinge cerca de 3% a 5% da população brasileira, ainda que muitos casos não sejam diagnosticados ou confundidos com transtornos que se assemelham em algumas características como, por exemplo, o TDA/H.

CARACTERÍSTICAS DA SUPERDOTAÇÃO

Em 1905, os franceses Alfred Binet, Victor Henri e Theodore Simon percebiam a inteligência como um conjunto de faculdades, sendo elas o julgamento, senso prático, iniciativa, habilidade de se adaptar as circunstâncias. Em 1921, Termandefinia inteligência como a capacidade de pensar em nível abstrato. Wechsler, em 1936, defendia a inteligência como a capacidade global ou agregada de o individuo agir com propósito, pensar racionalmente e lidar efetivamente com o meio no qual está inserido (ANDRADE:2004).

Segundo Gardner, (2000, p. 47) a inteligência é um “Potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura.” Neste sentido, a inteligência pode ser considerada pela facilidade com que indivíduo tende a tomar as decisões mais certas para cada situação. Quando se fala em superdotação este conceito não se altera, apenas se modifica em seu grau e intensidade.

Para Renzulli e Reis, 1986, p. 11/12, por exemplo:

“(...) o comportamento de superdotação reflete uma interação entre três grupamentos básicos dos traços humanos – sendo esses grupamentos habilidades gerais e/ou específicas acima da média, elevados níveis de comprometimento com a tarefa e elevados níveis de criatividade. As crianças superdotadas e talentosas são aquelas que possuem ou são capazes de desenvolver este conjunto de traços e que os aplicam a qualquer área potencialmente valiosa do desempenho humano.” (RENZULLI;REIS,1986, p.11-12)

A primeira característica se dá na maneira como o individuo produz seu pensamento abstrato, integrar experiências e fazer pontes entre os diferentes conhecimentos e a rapidez ou forma diferenciada de processar as informações. A segunda é o componente motivacional a mais que o individuo com superdotação possui para realizar uma tarefa que lhe seja de interesse, canalizando toda ou boa parte da sua energia para resolver um determinado problema. Isso inclui características como perseverança, dedicação, esforço e credibilidade à própria habilidade de conseguir completar a tarefa. E a última dependeria da maneira como o individuo se relaciona com o meio ou com pessoas importantes para ele como professores, pais e colegas, pessoas essas que instigariam em maior ou menor grau esta característica (ALENCAR:2001).

Isso significa que o aluno com superdotação possui três características principais que são imprescindíveis para seu diagnóstico, mas não necessariamente precisam ocorrer com a mesma intensidade. Ou seja, uma delas pode estar em maior destaque, como, por exemplo, um aluno bastante criativo ao resolver determinadas situações, normalmente encontrando caminhos diversos para a resolução do problema, mas que não se comprometem facilmente com as tarefas.

Além destas características que formam, a priori, o conceito de superdotação, existe outras que se apresentamna superdotação, mas dependem preferencialmente do ambiente que ele está envolto. Quanto às características de aprendizagem, pode-se dizer que os superdotados possuem, segundo Novaes (1992) rapidez e facilidade para aprender, pensamento divergente e independente, facilidade para abstração, flexibilidade de pensamento, produção criativa, capacidade de julgamento, habilidade na resolução de problemas, memória e compreensão incomuns, descuido com a escrita, talentos específicos.

Isso mostra o quanto estes alunos vêm a instigar seus professores na maneira de dirigir uma aula e de abordar um conteúdo, pois são críticos frente a conceitos prontos. Da mesma forma, muitas de suas características podem ser confundidas com outros transtornos de sintomas semelhantes, que, em um diagnóstico errado pode ter como resultados tratamentos que vem a anular sua característica superdotada.

Quanto às características comportamentais e sociais do individuo superdotado podemos citar com mais destaque: muita curiosidade, senso crítico exacerbado, senso de humor, sensibilidade, investimento nas áreas de interesse, convívio com pessoas mais velhas, liderança, aborrecimento com rotina, conduta irrequieta (NOVAES: 1992).

Essas características podem fazer com que as pessoas acabem por se afastar do superdotado, na maioria das vezes se sentindo ameaçadas por sua inteligência ou senso crítico. Frente a essas situações, isso pode resultar na dificuldade de relacionamento do superdotado, que muitas vezes cria uma armadura a sua volta. Pode-se citar como exemplo, o caso do protagonista do filme “Gênio Indomável”, que preferia não manter qualquer tipo de relacionamento a ter de enfrentar seus próprios medos, fazendo da sua autoestima pelo bom desempenho, apenas uma camuflagem para seu real medo e dificuldade de relacionar-se com o diferente.

Segundo Alencar e Virgolim, 2001, um dos mitos difundidos na prática da superdotação é que este aluno, justamente por ter uma maior habilidade para adquirir conhecimentos e fazer isso de forma autônoma em alguns momentos, não necessita de apoio por parte da família, da escola e até mesmo de um meio social que lhe seja de interesse como um clube ou um grupo de amigos. Pensando que esta característica emergirá por si própria e que a criança sempre terá um alto desempenho não sendo influenciada pelo meio. Porém, as necessidades da criança com superdotação são as mesmas de qualquer outra criança, inclusive na escola, da mesma maneira que outras crianças necessitam de um método diferenciado para obterem insights, o superdotado deve ter uma observação mais detalhada de suas inúmeras inteligências para que assim se possam aplicar métodos que condizem mais com seu ritmo e suas características particulares. Se isso for desconsiderado pode-se obter como resultado crianças superdotadas com rendimento medíocre e muitas vezes até abaixo da média geral.

Além do que, ele deve ser valorizado em suas potencialidades criando um ambiente onde ele possa interagir com iguais. Da mesma forma que um pianista que fosse colocado em um ambiente onde a música é desvalorizada, possuísse poucos instrumentos musicais ou não houvesse quem lhe ensinasse novas técnicas perderia aos poucos essa habilidade, o superdotado exposto a um ambiente onde a criatividade fosse recriminada, maneiras diferentes de pensar fossemtidas como esnobes, também estaria sujeito a ter suas habilidades reduzidas (ALENCAR:2001)

Outro mito difundido no conceito da superdotação é a expectativa que este aluno seja sempre nota dez, ou seja, espera-se sempre dele um rendimento maior do que toda a média e em todas as áreas. Isso provavelmente acarretará uma exigência maior por parte de todos os grupos que contemplam este aluno, o que lhe trará fadiga, desinteresse e desmotivação para aperfeiçoar-se naquilo que possui maiores habilidades ou maior interesse. Além de trazer uma grande frustração quando não atinge os objetivos propostos pelo outro. Fazendo com que o paciente assuma uma baixa autoestima e desacredite da maioria de suas capacidades (ALENCAR: 2001)

Por isso mesmo tem se estudado o prefixo “super” na nomenclatura atual, pois isso poderia exacerbar a real característica do aluno com superdotação, trazendo a ideia de que o fato de ser super já está no genótipo do indivíduo, ou seja, é inato. Além disso, a função desta palavra, em sua interpretação literal gera uma expectativa de desempenho ou produção muito alta. Entretanto os superdotados não são um grupo homogêneo, variando em suas habilidades cognitivas, como também em personalidade e nível de desempenho (ALENCAR:2001).

A partir destes mitos podem-se elucidar muitos outros. Todos tidos como verdades e que apenas vem a dificultar ainda mais as relações que se tem com a pessoa com superdotação, além de, provavelmente, diminuir sua carga de desenvolvimento ou o potencial integral do indivíduo superdotado.

Quando se fala em desenvolvimento integral do indivíduo, fala-se em um desenvolvimento que englobe todas as áreas do sujeito, sendo que estas envolvem o desempenho cognitivo, suas habilidades, as relações intra e interpessoais, nesta última, o relacionamento com seus pares, com a escola e principalmente com a família.

Familia

O conceito de família se modifica ao longo do tempo, pois as noções de família se estruturamde acordo com a maneira com que a sociedade se estrutura. Antigamente a família se estruturava de uma forma diferente da qual se observa atualmente. Conceitos que antes eram tidos como fora do padrão e personagens que o realizavam eram doentes, hoje se tornam conceitos naturais e normais inclusive na constituição familiar. A família se modifica tanto em seus objetivos e funções quanto em constituição (AMAZONAS: 2006).

Hoje temos famílias constituídas de forma tradicional, com o fator paterno, materno e filhos. Temos também as famílias divorciadas, as famílias reconstituídas, ou seja, quando entra um terceiro na família, podendo ser o padrasto ou madrasta e há também as famílias monoparentais e as famílias homossexuais, que é a mais nova instituição familiar, que traz muitas controvérsias tanto legais quanto sociais, mas pode trazer consigo um indivíduo superdotado.

Ela é, acima de tudo, um sistema sociocultural aberto sendo um processo em constante transformação. Como a família requer urgentemente uma nova proposta de paradigma pode-se estar pensando em como a família do futuro estará se estruturando, provavelmente a partir de sentimentos recíprocos e ausência total de dominação de qualquer das partes. Segundo Osório e Valle (2002, p. 16), serão os futuros sinejuges, que significa sem jugo, ou seja, pessoas que priorizam a suplementaridade e não a complementariedade dos cônjuges.

Pensando pelo ponto de vista de que a família que, como vocábulo latino, possui como significado “servo” ou “escravo”, hoje já se tem uma grande mudança, pelo menos quanto a conceito. Segundo Osorio e Valle:

“Entre as circunstâncias das mudanças que vêm ocorrendo no contexto familiar de nossos dias estão: a mudança de paradigma na sexualidade humana pela desvinculação entre o ato sexual e a função de procriar, o movimento feminista, o reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente, a aceitação do homossexualismo como uma variante do comportamento sexual humano, a insatisfação nas relações matrimoniais, o aumento de expectativa de vida, a mudança nos valores éticos da sociedade, a cultura consumista, os avanços tecnológicos e o progresso dos meios de comunicação” (2002,p.234).

Ainda pode-se considerar a família como um sistema de interações complexas, formada a partir da interação de seus membros. Ou seja, pessoas totalmente diferentes interagem de forma a garantir a institucionalização de regras e limites dentro de certo espaço físico. Na família há trocas de experiência, ou seja, pode-se dizer que a família é a maior matriz do desenvolvimento humano. Ela é o primeiro grupo social do qual a criança parte e consequentemente é o mais significativo, no qual se passa a maior parte do tempo e dos anos, pois a partir do momento que se saí de uma família, na maioria das vezes, entra-se em outra. Segundo Silva (2001):

“A família constitui o primeiro universo de relações sociais da criança, podendo proporcionar-lhe um ambiente de crescimento e desenvolvimento, especialmente em se tratando das crianças com deficiência mental, as quais requerem atenção e cuidados específicos. A influência da família no desenvolvimento de suas crianças se dá, primordialmente, através das relações estabelecidas por meio de uma via fundamental: a comunicação, tanto verbal como não verbal (SILVA, 2001, p.4).”

Segundo Rey e Matines (1989), citado por Silva (2001),a família representa, talvez a forma de relação mais complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme carga emocional das relações entre seus membros (p. 143). Pode-se dizer então que somos um reflexo do que nossa família institui como correto e levamos esta carga, demonstrando em nossos atos por todos os lugares que passamos. A família vem a ser uma espécie de laboratório onde são preparados e misturados os ingredientes que constituem a identidade de seus membros, trazendo como premissas as famílias de origem dos pais e tendo como resultado a personalidade dos filhos. Segundo LeVine, (1989), citado por Silva (2001):

“O modo como a criança pensae usa uma habilidade intelectual depende dos modelos culturaisde competência, enquanto o que ela sente e como atuaem direção às pessoas com as quais possui vínculo dependedos modelos culturais de relações interpessoais (LeVine,1989, p. 57).”

No mesmo ritmo em que o individuo vai entrando em sistemas sociais diferentes a família pode emergir com novas regras e novos confortos. Esta tem como uma importante função também a socialização deste sujeito nas interações que vão se estabelecendo.

A família vem a ser um sistema diferente dos demais, sendo considerado um sistema especial, pois possui padrões de relação diferente dos demais, com um contato físico mais prolongado, laços emocionais e uma história compartilhada. O que torna este sistema ainda mais resistente e mais presente na vida dos indivíduos. Da mesma forma que a falta ou presença exacerbada da família pode vir a prejudicar, desde que o nível de equilíbrio na relação caia isso pode atrapalhar o desenvolvimento de seus membros. Segundo Andolfi, (1996, p.16)

“[...] a família é um sistema entre sistemas, e que é essencial à exploração das relações interpessoais e das normas que regulam a vida dos grupos significativos a que o individuo pertence, para uma compreensão do comportamento dos membros e para a formulação de intervenções eficazes (ANDOLFI 1996, p.16).”

No sentido psicossocial é onde entra a importância da família commais ênfase, pois é destes aspectos que irão refletir a maioria das atitudes tomadas pelo individuo no quesito relacionamentos e comportamentos frente, principalmente a frustrações ou poder. A família então seria a responsável, por alimentar o sujeito em afeto e apoio fazendo com que este sobreviva emocionalmente. Da mesma forma a família vem a servir como porto seguro para ansiedades, sejam elas existenciais ou decorrentes do seu desenvolvimento ou não (OSÓRIO: 2002).

A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA SUPERDOTAÇÃO

É bastante comum os pais mostrarem-se apreensivos com o fato de seus filhos possuírem algo que as torne diferente das demais crianças, isso é mais complexo do que as pessoas imaginam, pois fere o ego dos genitores, que se acham incapazes de gerar algo que seja bom, nem que seja seu próprio filho. Cabe aos profissionais da área da saúde ou a escola preparada auxiliar estes pais a desmistificarem muitos pré-conceitos e encontrar novas alternativas de lidar com estas questões, possibilitando sempre um meio familiar que não exclua os demais irmãos, fazendo o superdotado sentir-se superior, mas também sendo um meio encorajador, motivador e um porto seguro para onde, como qualquer criança, o superdotado pode refugiar-se, além de dar liberdade para este expressar seus sentimentos e suas vontades de forma natural.

Segundo Winniccott (1975) citado por Alencar (2001), a habilidade de “fazer” é baseada na capacidade de “ser”, ou seja, se o indivíduo possui um espaço onde ele seja valorizado como ser e possa realmente vir a ser o que ele deseja, o desempenho, ou o fazer surgirá com mais naturalidade e talvez com mais intensidade, mas principalmente trará menos sofrimento e frustração ao superdotado. Por isso a necessidade de um acompanhamento familiar, pois, sendo a família um ambiente influenciador pode estar, este superdotado, sofrendo grande pressão para que alcance os níveis desejados.

Além disso, muitas famílias têm dificuldade em lidar com a discrepância que surge quando a criança tem bom desenvolvimento intelectual, mas permanece distante socialmente, encontrando dificuldades em integrar-se nos grupos aos quais faz parte, inclusive a família.

A família como primeira unidade social de aprendizagem da criança, possui um grande poder de reforçar ou anular aquilo que a escola pode estar trabalhando ou influenciar nos progressos que a criança tem dentro da instituição de ensino. A escola pode manter ações conjugadas auxiliando a família a perceber as mudanças e trabalhar como agente paralelo na interação da criança em outros meios. Quando a família consegue perceber que educar uma criança superdotada lhe exigirá tanto quanto, ou mais que qualquer outra criança o trabalho da escola será facilitado, pois a família estará trabalhando com todas as implicações de qualquer pessoa em desenvolvimento: a necessidade de estar sendo observadas suas dúvidas, dificuldades e esforços.

A ansiedade dos pais frente a esses fatores pode levá-los também a terem muitos pensamentos negativos e distorcidos, gerando interpretações errôneas das causas e dos meios de qualquer característica que a criança possa vir a apresentar. Quando os pais perdem a confiança em si mesmos, podem acabar por sentir-se inferiorizados frente a essas crianças, seus próprios filhos e, não se achando superdotados tendem a sentir-se incapazes de encontrar o caminho mais seguro para a educação de seus filhos.

“A família constitui um grupo com dinâmicas de relação muito diversificadas, cujo funcionamento muda em decorrência de qualquer alteração que venha a ocorrer em um de seus membros ou no grupo como um todo (SILVA: 2001).”

Certamente é difícil conseguir esquecer por momentos que se está lidando com uma criança superdotada, mas o ideal é que se oriente aos pais olharem seu filho como uma criança “comum” que necessita de todas as condições educacionais que qualquer outra criança necessita, mantendo um relacionamento o mais autêntico e espontâneo possível. Os filhos necessitam de segurança, de autoexpressão e determinação, de respeito as suas características ou apoio e também precisam de um ambiente onde possam sentir-se amadas o suficiente para expor suas dúvidas, medos e incertezas de forma a não ser criticado e sim entendido.

Segundo Santos (1999), é importante que os pais:

“Se interessem por artigos e publicações sobre superdotação, participassem de reuniões, conferências e congressos, procurassem organizar grupos e participar de debates e trocas de experiências que tratassem de problemáticas, se aproximassem de profissionais da Educação e tentassem, juntos levantar dados, informações e, sobretudo, subsídios mais adequados a cada atuação, se informassem junto ao sistema educacional, municipal, estadual e federal com relação às Leis Orgânicas dos Municípios e dos Estados, ao Conselho Nacional e aos Estaduais de Educação e a profissionais da Educação o amparo legal desses”.

É importante estar se observando a temática a se trabalhar, pois muitas vezes há a necessidade de se observar não só a influência dos pais na criança, mas a influência da criança sobre toda a família, sendo que pode ser a criança que esteja manipulando toda a família em seu favor. Neste caso, a família certamente estará em um ponto de fragilidade tanto quanto o superdotado, possibilitando conflitos em áreas periféricas a superdotação que poderiam ser evitados.

Por outro lado é importante salientar que a família também não deve bombardear esta criança com estímulos e informações ou expô-la de forma exaustiva, esquecendo-se de que independente da fase da vida na qual ela se encontra, possui outras questões pessoais que lhe são importantes e outras prioridades a trabalhar e não apenas aquilo que é acadêmico e que é vontade dos pais ou da escola. Da mesma forma o ideal é fazer com que a criança tenha suas próprias escolhas, incentivando sempre outros tipos de relacionamentos sociais.

Quanto ao desenvolvimento é interessante a família compartilhar vitórias, mas saber posicionar-se de maneira que os fracassos não sejam frustrantes o suficiente para a desistência ou que a pressão pela vitória não ultrapasse o limite pessoal do indivíduo. Landau (2002), diz que a criança superdotada pode ser comparada com uma criança que está, em uma corrida de atletismo, disparada na ponta, no sentido intelectual, entretanto, sente-se solitária emocionalmente. Da mesma forma, a autora traz que a família deve estar preparada para lidar com esta dissincronia, pois evita assim que energia seja desperdiçada ao tentar compensar o desequilíbrio.

É importante, também, que se mantenha a autoestima deste indivíduo, para que ele se considere capaz de utilizar sua criatividade e suas habilidades em qualquer situação da vida que julgar necessário. Por esse mesmo motivo, é também necessário impor regras claras e que estas regras possam ser discutidas, mas ao mesmo tempo coerentes com as ações que os pais realizam, pois o superdotado é bastante crítico e poderá vir a questionar limites impostos pela família.

Os estímulos propostos pela família vêm a auxiliar, entretanto é importante se ter o cuidado para que não haja uma exigência maior do que a resposta que o indivíduo pode dar no momento, prevenindo assim uma grande auto exigência e consequentemente frustrações frente a objetivos não alcançados.

Da mesma forma as comparações entre irmãos vem apenas a causar sentimentos de baixa-estima ou supremacia. Anna Freud (1976) já dizia que o conceito de justiça se dá na infância, quando entre irmãos um tem mais direitos que outro. Quando a criança ingressa na escola traz consigo suas vivências, sua identificação constitucional e, inclusive, sua família. A escola é tão visada pelos pais, justamente porque, sendo a escola o segundo grupo social, que na maioria das vezes, a criança ingressa, ali surgirá os primeiros reflexos do que ele vivenciou em casa.

No caso do atendimento a superdotados é imprescindível a presença constante dos pais, tanto para a desmitificação de conceitos quanto para o acompanhamento do aluno. Fazendo com que este transforme seu medo de ser diferente em segurança para uma maior criatividade, percebendo que seus limites podem ser impostos apenas por si próprios.

Frente ao estudo de inúmeros autores que foram apresentados no texto, chega-se a conclusão de que a inteligência é um constructo, um processo que, ao mesmo tempo em que um indivíduo nasce com ela, como uma característica nata, para que seu desenvolvimento seja pleno e seu potencial explorado é necessário um meio estimulador. Quanto à família, muitas vezes, esta coloca sobre a criança uma expectativa grande, crendo que seu quadro irá lhe proporcionar, por si só a motivação necessária para novas aprendizagens.

As famílias que proporcionam ao superdotadorelações de afeto e desafios são as que mais se enquadram no perfil da superdotação. Por outro lado, pesquisas com pessoas superdotadas na fase adulta são carentes, e da mesma forma esta pessoa, inserida em um grupo familiar, sofre influências e modificações. Certamente um maior esclarecimento a todos os envolvidos nesta questão trará uma melhor maneira de lidar com o desenvolvimento e com a apresentação de um talento superior em alguns dos integrantes familiares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento humano é um processo muito mais complexo do que podemos imaginar, pois ele consiste na combinação entre aspectos pessoais internos e externos, ou seja, aspectos psicossociais. A família neste sentido, como influenciadora primária do desenvolvimento, vem a servir como mediadora entre estes dois aspectos. Assim sendo, as ações da família influenciam diretamente todas as crianças, inclusive as que possuem superdotação/altas habilidades. Para que as crianças possam alcançar um bom desempenho em diversas áreas é necessário que os pais lhes transmitam valores como disciplina, responsabilidade e valorização do sucesso. Desta forma, a família serve mais uma vez como modelo e transmissora de valores.Certamente não existem fórmulas mágicas para lidar com a criança superdotada, mas criar um vínculo afetivo, centrada na confiança, no diálogo aberto, na aceitação do diferente, além do encorajamento e orientação, facilita o relacionamento e auxilia o superdotado na criação de seu pensamento individual. Como as crianças são facilmente influenciadas pela família, é necessário observar se as cobranças estão funcionando como estímulo ou mais ainda como uma ameaça ao crescimento deles.A cobrança exagerada pode fazer com que o rendimento seja menor ainda, além de ocasionar um desgaste físico e psicológico desnecessário, pois o aluno acabará por realizar atividades que não são de seu interesse e os desafios propostos não são dele próprio, desmotivando-se. Outro possível resultado destas cobranças é que essas cobranças exageradas podem gerar um anseio muito grande na criança que não quer decepcionar as pessoas que investem nele, criando situações de estresse e ansiedade elevadas, que podem culminar em problemas de relacionamento e desinteresse.O peso de responder perfeitamente a todas as vezes que for instigado pode impedir que a criança aceite a si mesmo e compreenda suas próprias limitações e potencialidades, muitas vezes inclusive, confundindo-as. Neste caso o papel da família é congregar esforços para que os problemas existentes sejam resolvidos e não criar outros.

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VIRGOLIM, A. M. R. Altas Habilidades/Superdotação: encorajando potenciais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007.



[1]Acadêmica do curso de Pós-Graduação em Neuropsicopedagogia e Educação Especial Inclusiva, do Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação – Censupeg.

[2] Orientador do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia e Educação Especial Inclusiva, do Centro Sul-Brasileiro de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação – Censupeg.

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